Monday, May 26, 2008

Esquisitices

“Tu também és uma esquisita da ...” Deixo a conclusão da frase ao critério de cada um. Que é como quem diz, à sua imaginação primária.
Há dois dias no metro fui surpreendida com a abordagem sui generis de uma avó à neta com cerca de sete anos. Seguia rumo à Alameda quando as duas entraram em Chelas. Vieram tumultuar o meu sossego num abrir e fechar de olhos.
Passo a explicar... A avó, de formas avantajadas, trazia jeans elásticos, decote generoso e cabelo descolorado. Trazia também o jeito gaiato de quem é nascida e criada num bairro pobre de Lisboa. Fez-se notar assim que entrou. Esbaforida, gesticulou para a menina sentar-se junto dela. Face à recusa daquela não hesitou evidenciar o “latim” que aprendeu na rua: “Tu também és uma esquisita da cona” ( aqui achei importante reproduzir a dita palavra). A afirmação foi proferida em tom absolutamente possante como se a razão fosse toda sua.
Fiquei em estado de choque. Não estava a acreditar nos meus ouvidos. Depois de uma breve troca de olhares com a senhora do lado não resisti a uma gargalhada. A essa seguiu-se outra e, até ao destino, fui acometida de um ataque de riso intermitente. Acho até que os meus abdominais agradeceram o exercício.
Ciente da asneira e querendo remediar o quadro, a idosa continuou a falar, mas noutro registo. Agora condescendente, acrescentou: “Mais queria ter cem netos do que ter-te a ti. Só as dores de cabeça que me causas...” E continuou numa ladaínha à beira do indecifrável. A criança, alheada dos desabafos da avó - talvez por que os ouve desde sempre - indaga com mel no olhar:
“Compras-me uma história?”
“Não senhora, a menina tem os livros da escola para ler.”
“Mas a professora não marcou trabalhos de casa, avó.”
“Ah não!? Mas que raio de professora é essa? Não entendo estas professoras modernas. Não querem é fazer nenhum.” Ao concluir a frase olha para mim em busca de aprovação. Preferi baixar os olhos porque me faltou coragem de abanar a cabeça em sinal de discordância absoluta.
Astuta, e na expectativa da minha atenção e - quem sabe - simpatia, a idosa resolveu desviar assunto. Virando-se de novo para a miúda, vestiu a capa de educadora a sério e choramingou: “Prometes à avó que nunca mais arrancas os pêlos?” “Eu não arranquei, raspei com a gilete da mãe...” Só então olhei para a criança e notei-lhe ausência de sobrancelhas. Senti de novo vontade de rir. E agora também de chorar. É que a criança era mesmo esquisita. Ela. A avó. E, provavelmente, a família toda. Mas era esquisita dos... Dos cornos, claro. Isto para não me distanciar muito do contexto.