Thursday, February 05, 2009

O primeiro casting

O coração dele dispara quando na final do curso de manequins é escolhido para o trabalho. O único entre algumas dezenas de candidatos. Tem 17 anos e muitos sonhos. Aquele é o pontapé de saída de uma carreira que, acreditava, seria de muito sucesso. A primeiríssima contratação.
Não cabendo em si de expectativa, vai à prova de roupa no dia seguinte. Chega pela boleia do pai, que fica à espera à porta do local marcado.
A pessoa que o recebe orienta-o para uma sala pequena onde deverá vestir-se. Lá, apenas encontra um fato de coelho. Ainda sem perceber o que se passa, indaga sobre o paradeiro dos coordenados. A resposta vem num embrulho de desprezo:
- A roupa é essa que aí está.
- Ah... Julguei que ia fazer prova para um desfile. Quando me falaram da Fil...
- É um desfile. Vais “passar” o Quicky. E é para a Fil Alimentar.
Fica devastado. Sem palavras. E sem “jogo de cintura” para disfarçar a decepção. Inquieto, baralha-se com as patas do animal. Sob o olhar frio e atento da produtora. Troca os braços pelas pernas e vice-versa. Uma. Outra. E outra vez. Aqueles breves momentos sabem a eternidade.
Feita a prova e acertados os detalhes, apressa-se nas despedidas, tal a vontade de fugir. E de chorar. De volta ao carro do pai, omite o que se passa. Disfarça com aparente entusiasmo.
Passaram-se alguns anos, e o meu amigo, num contexto de copos e boa disposição, confidencia o seu primeiro casting. O grupo ri muito. Ele mais ainda. Mesmo assim, uma de nós vai em seu auxílio: “Ao menos estavas disfarçado. Ninguém sabia que eras tu...” Ao que ele, depois de soltar uma gargalhada ainda mais sonora, remata: “Aí é que te enganas. A boca do coelho era a minha cara. E estava toda de fora...”