Wednesday, December 15, 2010

Está um frio surreal. Não vale a pena contra-argumentar com os países nórdicos. A sério, é uma comparação desleal. Venho da Madeira. Quase que me atrevo a dizer, uma ilha tropical. Vivi até ao refilar da idade adulta num clima ameno. Quando cheguei a Lisboa pela primeira vez fui derrubada pela primeira gripe marada da minha vida. Levou-me à cama dois ou três dias e só acalmou à força de antibiótico e outros venenos. Eu que fazia gala de não tomar medicamentos! Foi no início de Outubro de há mais de vinte anos. Em pleno Outono. Para mim era como se fosse Inverno. E dos agrestes. Desde então ganhei carapaça. Mas hoje tenho frio. Não conto ficar doente como então. Até porque estou a entrar de férias e não teria graça. Muito frio. Tanto como no dia que cheguei a Lisboa. Tanto frio que sinto o nariz apalhaçado e os mamilos doridos. Tanto frio que de repente as minhas mãos envelheceram anos a fio. Tanto frio que o meu cérebro congelou e na frase anterior fez-me rimar uma rima tola. Não foi de propósito. Abomino rimas infantis. Mas foi de propósito que a deixei ficar. Para que percebam do frio que tenho.

Tuesday, December 14, 2010

Estou de novo cara a cara com a folha branca. Assim de repente nada me ocorre contar ou dizer. Estou basicamente a fazer uso da folha branca, agora com alguns caracteres pretos, para fins terapêuticos. Sinto-me um pouco triste. Por nada em particular. Por tudo em geral. Talvez porque em final de ano é tempo de balancear a minha vida. Talvez porque as expectativas que trazia me pareçam agora distantes. Talvez porque a crise que assola o mundo, o país e a cidade onde vivo não me deixe indiferente. Não a crise em si mas a atitude perante ela.

Provavelmente, e o mais certo, é estar neste momento a conjugar disparates. Apenas porque me apetece ocupar a mente com algum raciocínio. Apenas porque disso poderá depender a minha sanidade mental.

O engraçado é que a folha branca fica aos poucos e poucos matizada de preto. Não permite que me dê brancas. Pelo contrário, inspira-me. Tem a margem que preciso para espreguiçar o estado de alma. À partida as ideias são pouco claras mas assim que começo a teclar vêm à superfície. É comum apanharem-me desprevenida…

Friday, December 03, 2010

Conheceram-se em reportagem. Ele fotógrafo. Ela jornalista. A química aconteceu quase de imediato. Ambos madeirenses a viver em Lisboa. Ele não sabia dela. Ela não sabia dele. Iam rumo ao sul. Ao serviço de uma revista.

A caminho, ela pergunta: “Faltam muitos quil(h)ómetros para chegarmos?” O sotaque fá-lo clicar. “És madeirense?”, indaga com surpresa. Descobriram assim que eram conterrâneos. Um pouco mais tarde, nesse ou no dia a seguir, descobriram algo mais. Ele percebeu primeiro. Perdido no azul dos olhos dela. Ela rendeu-se. Perdida na sexualidade da voz dele. Foi um encontro especial. Tudo conjugava a favor. O sol, o mar, o spa do hotel, o vinho branco, o tinto, a leveza de ambos.

De regresso ao quotidiano, o romance ainda bebé sucumbiu. Os compromissos de um e a imaturidade de outro ditaram o fim da história. Ficaram resquícios de paixão. Passados seis anos, voltam a encontrar-se. A chama, quase extinta, reacendeu. É que era para ser. O fado assim destinara. Desconhece-se o the end. A história continua…

Sunday, November 28, 2010

Eu sou assim. Não é quando posso. É quando a cabeça quer. Ela é que manda. Definitivamente. Quando estou folgada e tenho o tempo todo não me apetece escrever. Ou apetece-me menos.

As ideias são do contra. Não afluem. Nem fluem. Enfim…

Gosto realmente de escrever quando tenho em paralelo uma série de outras coisas supostamente mais importantes para fazer. Quando outros compromissos se sobrepõem em matéria de urgência. Nesses momentos, dissipo as dúvidas. Não que as tenha já. A minha arte é a escrita. Não me paga as contas. Mas faz-me festinhas à alma.

Não escrevo a metro. Quando me colocam um número de caracteres em perspectiva atrofio logo. Não aprecio que me digam o tamanho da escrita que faço. Nem para mais nem para menos. Escrevo até passar a ideia que se me atravessa. Por norma sou sucinta. Tenho alergia a floreados. Na minha opinião, são um péssimo disfarce de quem tem pouco ou nada a dizer.

Thursday, November 25, 2010

Não me sinto habilitada a fazer o luto pela avó Ainim. Francisca de sua graça. Não sei quando ou por que razão surgiu o petit nom. Sei é que todos os que lhe eram queridos a tratavam assim.

Não me sinto habilitada a fazer o luto pela avó Ainim. Recusei-me fazê-lo então. Não me parece que o faça alguma vez. Por ela continuo a ter um amor tão grande, tão grande, que não cabe neste texto. Não caberia num livro. Nem mesmo numa mega produção galardoada.

A minha avó morreu cheia de vida. O paradoxo talvez explique a renitência em aceitar que me deixou. Eu tinha quinze anos e estava tudo menos preparada para perdê-la. Fiquei desesperada. Quando a vi de boca puxada ao lado pela maldita trombose fugi. Em vez de abraçá-la, fugi. Fechei-me na casa de banho. Histérica. Ufa, a dor ainda me atravessa o peito. Por vezes sara. Por vezes sangra. Mas a psicanálise deixo para depois. Para as instâncias próprias.

Não perdi completamente a avó Ainim. Tenho-a de forma diferente. Divido com ela os momentos bons. Os maus também. Até os assim-assim. Continua tão presente na minha existência, que quase lhe sinto o Anaiis da Cacherel.

E tão ausente, que me fazem falta tantas coisas banais. Os bracinhos flácidos e macios que eu apalpava vezes sem conta em jeito de mimo. O sumo de laranja que nas manhãs de inverno me levava à cama com uma “pontinha” de açúcar e muitas palavras doces. As repreensões pouco veementes que eu só reconhecia porque ao invés de Gracinha me chamava de Graça Maria. As cantorias que improvisava sempre que se embrenhava nas lides domésticas. As idas à missa seguidas de almoço fora onde me deixavam escolher bife, batatas fritas e sumol de ananás. A cumplicidade feita de muitos serões no sofá a ler-lhe as legendas do Dallas. As frases tão dela como “a menina não tem querer” ou “isto não é brincos para a menina”.

Não estou habilitada a fazer o luto da avó Ainim. Nem quero já. Gostava apenas que doesse menos a falta que ela faz.

Wednesday, November 24, 2010

Detesto ser bafejada pelo fumo dos outros. Fumei durante quinze anos. Tempo suficiente para perceber que sou adversa ao fumo e às pessoas que fumam para cima de mim.

O clique aconteceu quando a pneumologista me encostou à situação: “ou fumas ou vives.” O baque foi tal que nem liguei ao facto da estúpida me tratar por tu como se fosse amiga lá de casa. Essa modinha tola de alguns doutorzinhos falarem de cima com os utentes é realmente uma coisa que me transcende. Faz-me ranger os dentes de irritação. Como se não bastasse o tom condescendente, ainda tratam por tu pessoas que os podiam ter parido. Por exemplo. Esquecem eles que o respeito é uma coisa linda de usar.

Voltando à consulta e à sentença de fumadora condenada por um início de enfizema pulmonar,

a primeira questão que me coloquei foi esta: “Como vou escrever o raio do texto?” Trabalhava na RTP Madeira. Tinha feito a reportagem no terreno. Não me lembro já do que se tratava. Seguiu-se a consulta. Seguia-se a redacção e edição da peça. Mas, como os cãezinhos de Pavlov salivavam ao som da campaínha, eu condicionara a escrita ao acto de fumar. Só começava um texto depois de acender o cigarro. Mesmo assim, e absolutamente convencida que tinha de mudar de carreira, mal saí da clínica espezinhei o maço de Marlboro Lights.

Quanto ao texto, foi complicado. Muito complicado. Não consegui apanhar o ângulo certo. Escrevi e apaguei vezes sem conta. Detestei o resultado final. Fui repreendida pelo chefe de redacção pela demora. E só graças ao cross do colega de edição a peça entrou no jornal da noite. Fiquei a milímetros de um ataque de pânico. Assim começou a minha luta contra o fumo. Um processo interrompido algumas vezes. Com as desculpas mais rotas do Planeta. Foi deveras doloroso. Mas valeu bem a pena. Num dos pratos da balança pesa a intolerância com os fumadores à minha volta. No outro, e com um peso bem mais significativo, está a saúde dos meus pulmões. Apurado o custo de oportunidade, o fumo perdeu. Sem margem para hesitações.

Monday, November 22, 2010


Queda para o trambolhão



Desde cedo percebi a desastrada que estava predestinada a ser. A confirmação tive-a no liceu. A partir daí tenho somado um rol de disparates sem conta. Tudo devido à minha incontinência verbal.

Voltando ao liceu, tinha um professor de inglês que mal continha o olhar lascivo na minha direcção. Incapaz de disfarçar o entusiasmo, mandava-me ao quadro o dobro da vezes que seriam razoáveis. Olhava-me sobretudo para o peito que, já na altura, resvalava para o generoso. Não sei se estou ou não a ficcionar mas quase juro que o coitado até deixava escapar umas gotas de suor do rosto ruborescido.

Durante a frequência destas aulas, conheci uma rapariga com a qual empatizei. Quando já éramos quase amigas, descobri que era filha do dito cujo. Soube-o da forma mais inconveniente possível. Perguntou-me ela quem me dava aulas de inglês. Na ignorância, respondi: “Um porco gordo que baba sempre que me vê. E não pára de me olhar para as mamas. É aquele da barbicha à tarado, o professor X.”

Tão entusiasmada estava na minha descrição que não topei a mudança de fisionomia da minha quase amiga. Só reparei efectivamente quando, com alguma rispidez na voz, me disse: “É o meu pai.”

Naquele momento, gelei. O tempo parou. As palavras secaram-se-me. Consegui, ao fim de uns segundos agoniantes, esboçar uma espécie de pedido de desculpa. Atabalhoada saíu-me apenas: “ Upsss... Não sabia que era teu pai.”

Excusado será dizer-vos que a nossa amizade, ainda em fase embrionária, ficou por ali. Foi o primeiro deslize de que tenho memória. Achei que seria o último. Mas, na verdade, a minha queda para o trambolhão é já um traço de personalidade. Nada a fazer.

Thursday, November 18, 2010

Rosa ou vermelho? Rosa.

Pergunto-me vezes sem conta se já não está na hora de preferir vermelho. A resposta é sempre negativa. A favor do rosa. Talvez por achar vermelho cor de “senhora”. Talvez porque sempre que penso em vermelho, me vêm à ideia o tailleur e as unhas da minha mãe. Talvez por considerar vermelho rosa maduro. Talvez por temer a maturidade que reconheço no vermelho. O facto é que entre o vermelho e o rosa, o rosa vence. Mas não tenho nada contra o vermelho. Até gosto. Só não tanto quanto ao rosa.

O que não gosto mesmo é de castanho. Sinto-me triste de castanho. Aprecio numa ou outra pessoa. Em mim é que não. A minha avó, adepta fervorosa de cores garridas, costumava dizer “castanho é cor de velha”. Ela que tanto medo tinha de envelhecer… Herdei-lhe isso. A aversão ao castanho. E o horror ao envelhecimento.

Monday, November 15, 2010

Sou excessiva. Amo muito as pessoas que amo. Amo mesmo demais as pessoas que amo. Só não odeio demais as pessoas que odeio porque não odeio de todo. Mas as pessoas de quem não gosto, não gosto mesmo. Já não tenho idade nem paciência para contornar. Não gosto e acabou. Não há lugar na minha vida para as pessoas de quem não gosto. E quando não gosto, não gosto porquê? O principal motivo é não gostarem de mim. Porque gostar implica dois interlocutores, no mínimo. Quando um deles não dá, o outro não pode dar de volta. Não vou ao encontro de quem não vem ao meu. Já fui. Não vou mais. Simplesmente não vale a pena. Sobretudo por uma questão de auto-estima. E poupança de energia.


Friday, November 12, 2010

De metro até Paris


Esta manhã fui até Paris dos anos 50 e 60. Por entre os acordes de um músico errante. Fui de Metro. Entrei na Alameda e saí no Cais do Sodré. Quando era suposto sair na Baixa Chiado. Mas a distração valeu a pena. As melodias entoadas pelo acordeão tosco e grosseiro levaram-me a passear pela cidade da luz de outros tempos. Fui pela mão de Edith Piaf e Jacques Brel. Dei por mim a trautear “Ne Me Quitte Pas”, “La Vie en Rose” e “Non, Je Ne Regrette Rien”. Imaginei-me perdida, ou encontrada, na penumbra de fumo de um bar boémio, a ver e ouvir as duas grandes vozes do amor e do drama cantados em francês. Estava de vestido carmim com um decote generoso, acompanhada de figuras proeminentes da literatura como Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, a beber champanhe e a exibir uma boquilha enorme (mais pelo estilo do que pelo vício). Um pouco ao estilo do Midnight in Paris de Woody Allen. Senti-me romântica. Senti-me inebriada. Senti-me feliz.
À saída perscrutei as moedas que tinha e deixei-as todas na caixa do Aladino que me transportou àquela atmosfera de sonho. Ao fazê-lo, senti-me tola. Quero dizer, fizeram-me sentir tola as pessoas que me olharam incrédulas e de sorriso trocista. Lamento se não visitaram Paris esta manhã ou alguma vez. Lamento se não ficaram arrebatadas de emoção com as vozes grandes ali evocadas. Lamento se não visitaram os cabarés parisienses nem deambularam pelas sumptuosas avenidas da capital. Não sei se o fizeram ou não. O que sei é que me olharam como se fosse feio “pagar” por uns minutos de prazer. Olharam-me como se estivesse a alimentar a mendicidade. Estava apenas a gratificar uma despojada manifestação artística. Ou nem tanto despojada. Já que a intenção do músico era angariar trocos. Mas que importa isso? Saímos ambos satisfeitos. Ele, com a caixinha menos leve. Eu, de alma mais cheia.

Wednesday, November 10, 2010

E porque uma nova semana se avizinha, e porque prometi, e porque nada de mais interessante me ocorre, estou cá de novo. A escrever. Ainda não sei sobre o quê. Juro que estou em branco. De frente para a folha branca do word.

Ups, ocorreu-me partilhar uma indignação. Há dias, vi num vídeo duas pessoas a serem espancadas em plena Rua de Santa Catarina, no coração do Porto. Tudo porque se encontravam numa troca de afectos libidinosa. E uns seres de mentes tacanhas, não satisfeitos com uma simples chamada de atenção, largaram de arrear nos ditos amantes. É que o acto sexual, implícito (já que ambos se encontravam vestidos e de genitais resguardados), incomodava muita gente. Estranho é que os estalos e os pontapés não tenham surtido o mesmo efeito. Quase impávidos e pouco serenos (mas a favor dos algozes), os passantes testemunhavam o julgamento popular como se fosse tudo muito razoável. Qual tempo da Inquisição, qual quê… A moral e os bons costumes têm mais é que ser defendidos, ainda que a soco e pontapé. Sei lá, deve ter sido mais ou menos isso que pensaram. Esqueceram-se, porém, que a violência é um quadro bem mais reprovável do que sexo em praça pública.

Fiquei em estado de choque com o que vi. Juro que me sinto ameaçada. Psicológica e fisicamente. Como se vivesse num escuso país de Leste, paredes meias com as máfias de rua.

Tuesday, November 09, 2010

Fodam-se mas é… Desculpem os maus modos mas estou absolutamente cansada de ouvir “estou fodido(a)”. E sem que a exclamação implique sexo. Ainda se fosse…

“Estou fodido” é proferido vezes sem conta de forma ligeira, querendo apenas dizer estou lixado, irritado, furioso. E, parecendo que não, a maior parte das vezes “estou fodido(a)” significa simplesmente o contrário do que se diz. É como que desabafar “estou com ganas de foder” ou “estou a precisar de uma contra a parede”.

Não querendo divagar sobre a intimidade dos outros, sobretudo a de quem não conheço, atrevo-me a conjecturar que a razão primeira de todas as irritações, ou quase todas (vá lá), é a falta de sexo. Não é à toa que as pessoas mais azedas são as menos resolvidas a esse nível. Ou não têm companhia de cama ou a que têm apenas faz uso dela para dormir. É triste mas assim acontece muitas vezes.

Wednesday, November 03, 2010

Ah pois é… Estou a vislumbrar uma vontadezinha ténue de escrever. Na verdade, não sei se efectivamente a tenho. O que estou, isso sim, é a mandar comandos ao cérebro a fim de voltar a ter vontade de fazê-lo. É tempo de tornar a pôr as ideias em dia. Além disso, a pressão tem sido muita. Muita, muita não. Já estou a divagar… Tomara eu. Não tenho um universo de leitores tão significativo. Tem sido alguma.

Ainda ontem celebrava a nova contratação do Pedro, quando de repente os meus textos vieram à conversa. A ausência deles, mais precisamente. Foi num agradável afther work, entre o copo de vinho e o non sense da descompressão, que os meus amigos me repreenderam.

A Patrícia classifica de escandalosa a inércia em que me tenho deixado estar. Diz ela que o mais importante, o talento, está do meu lado e que só me falta meter mãos à obra. Que é como quem diz, puxar pela cabeça e fazer os dedos ao teclado. O Pedro não poupa adjectivos superlativos à forma e estilo das minhas redacções. O que eles não entendem é que, no que me diz respeito, isto de escrever não é de encomenda. É mais uma coisa de combustão espontânea. O certo é que ambos, cada um a seu jeito, me fizeram perceber que tenho perdido tempo e caracteres este tempo todo.

Se sempre escrevi sobre quase tudo por que razão passei a escrever quase nada? Eis o mote da reflexão… E porque sem objectivos não há disciplina, assumo convosco o compromisso de “postar” um texto por semana. No mínimo. Ainda que tenha de recorrer a substâncias recreativas… Ei, estou a brincar. Naturalmente. Agora sou uma ex-tóxico. Lol

Sunday, July 18, 2010

A verdade

De máscara de argila no rosto, trazia o coração em sobressalto de mais uma noite de amor clandestino.
- Posso entrar, filho?
- Sim.
- Que se passa contigo? Já não me contas nada! Nunca paras em casa. Por onde andas o tempo todo? Já não estou a achar piada nenhuma a estas ausências. Das duas, uma: ou andas na droga ou estás metido com uma mulher mais velha... Diz a verdade à mãe.
- Eu sou gay.
- O quê?! És capaz de responder ao que te pergunto?
Sai porta fora, sem ousar confirmar o que acaba de ouvir. Uns minutos depois, o pai bate-lhe à porta do quarto e, sem esperar por consentimento, entra.
- Há coisas que não se dizem, filho! Precisas que te carregue o telemóvel?
De saída, entre incrédulo e enojado:
- Mas como é que soubeste? Como é que vocês fazem?l
Passados três ou quatro segundos de interminável silêncio:
- Não me contes. Não quero saber... Ah, ainda tens dinheiro na conta?

Wednesday, July 07, 2010

Uma exótica cortesã venezuelana de ascendência índia confidenciou-me há poucos dias como faz para descomplicar a vida: toma sempre as decisões no sentido ascendente. De baixo para cima. Antes de se abalançar num projecto novo ou decidir seja o que fôr, indaga em primeiro lugar os genitais. Depois escuta o coração. E, só por fim, toma posição. "É mais simples e evita muitos problemas..." Afiançou-me com a maior das certezas.

Tuesday, June 08, 2010

“Amor, sabes o que me apetece muito, muito, muito?”
“ O quê?”
“Uma massagem.”
“ Nem pensar, amor. Hoje estou mesmo sem vontade. É feriado…”
“Pois é. Hoje é Dia do Corpo de Deus. É dia de cuidares do corpo que Deus te deu…” Lol

Monday, May 10, 2010

As hormonas têm cá um power! Comigo são mesmo filhas da mãe. Em plena crise menstrual, com dores acutilantes, sensibilidade extra e mau feitio ao quadrado, esperava ontem de manhã pelo autocarro. Eu e mais três ou quatro pessoas. Mas foi a mim que uma tal de testemunha de Jeová ofereceu um folheto com a imagem cliché do céu dramáticamente apocalítico e o seguinte título: “Consolo para os Deprimidos”. Juro por Deus que não estou a inventar. Nem sequer a enfatizar. Quando baixei os olhos e percebi o que estava escrito, tive a certeza: a puta da neura estava-me estampada na cara. Só podia. O raio da mulher topou-me. Nem os óculos de sol tamanho XXL a conseguiam esconder. Bem, e se já estava mal, fiquei ainda pior… Mas por poucos segundos. É que o episódio, de tão risível, sacudiu-me a alma.

Wednesday, March 31, 2010

Com que idade deixamos de chamar velhos aos velhos?

Que puta de idade! Que terramoto interior! A partir de agora já nada é como dantes. E nem venha o Paco embandeirar em arco com a ternura dos 40. Quando a imortalidade cai de quatro e começamos a dar de caras com besta da morte, tudo muda. É um duro revés. Não sei se é coincidência ou não, mas a insónia passou a ser companhia assídua das minhas noites. De repente, a cama tornou-se um berço de desespero. Durmo apenas nos intervalos do flashback (involuntário) à minha vida. As ideias afluem com tal desalinho e violência que um dia destes perco o juizo. A sério! Não está fácil abrir mão da condição de menina e moça…

Tuesday, March 30, 2010

Passou a noite em claro. Que é como quem diz, em sobressalto. A pensar em mil formas de dizer-lhe “não vás, fica”. Não disse. Percebeu, então, que o amor não se apropria. Que o amor diz “vai, se é essa a tua vontade”. O amor é como areia fina na mão de alguém. Quanto mais se aperta, mais ela se evade por entre os dedos.

Thursday, March 25, 2010

Não estou alegre nem triste. Apenas pensativa. Para não variar. Acho que penso e avalio demais… Estou a retrospectivar as palavras que me disseste. Doeu como o caraças. Porque dói sempre ser repreendida. Dói mais quando a repreensão é maior do que a falta. E mais ainda quando arrasta faltas do passado. E outras tantas que não nos pertencem. Acho que foi o que aconteceu…

Wednesday, March 24, 2010

Vivo apaixonada. Amo e sou amada. Mas não tenho ilusões. Esta coisa do amor, de tão efémera, precisa de ser cuidada com circunstância. Não se pode amar apenas com o coração. Erro crassíssimo. É o caminho mais curto para o desamor. O segredo é racionalizar. Sempre. Estar dois passos à frente da emoção. Não deixar que ela nos cegue. E dar atenção aos sinais. Em especial aos indícios de que as coisas já não são como eram. Que o tom de voz é outro. Que as borboletas deixaram de esvoaçar nas nossas barrigas. Que o torpor está a descorar. Que a paciência tem índices próximos do limite.
Não acredito no amor eterno. Não acredito no amor romântico e idílico. Acredito sim no amor que se renova. A cada dia que passa. A cada gesto que acontece. A cada diálogo que se invente. A cada foda que se dê. E amar só faz sentido com tesão. O desejo é um dado quase adquirido nos dois primeiros anos de convivência. Mas é também uma excepção daí para a frente. A não ser que a líbido seja ateada. Dia após dia. Não nos podemos deitar à sombra do destino. Fiquei grata pela descoberta.
É comum julgar que connosco é diferente. Mas por que raios haveria de ser? Na minha experiência de ser apaixonado - e muitas vezes defraudado - garanto-vos: sem renovação não há paixão. Não há amor que nos valha. E renovação pode ser um novo look, uma expêriencia erótica mais ousada, uma operação estética, um caso extra-conjugal, uma viagem ou mil outras coisas.

Tuesday, March 23, 2010

Hoje é o primeiro dia do resto deste texto. Não sei bem o que vai sair daqui… Para dizer a verdade, não quero saber. Gosto de escrever sem balizas. Por dois motivos: o primeiro e mais importante, é o prazer imediato de registar o que sinto sem trair o meu sentido estético. O segundo, e perdoem-me a petulância, é que pode até ser que estas baboseiras venham a encontrar eco desse lado.
Hoje está um dia taciturno. Chove e a noite chegou com mais pressa do que é costume. O dia ideal para focar-me no intento de escrever. Até agora, ainda não disse nada de novo. Apenas justifico. Uma tendência minha, aliás: justificar, contextualizar, entender… Sou tão Calimero que mete dó. Como se tudo tivesse que ter um enquadramento lógico, legal ou moral. Super irritante. É uma especie de censor que me faz sentir culpa very often. Não gosto disto. Se esta nuvem não me perseguisse seria mais feliz. Costumo dizer que a puta da educação me persegue. E castra. Enfim… Vivo em constante dualidade: entre o que faço e o que me apetece fazer. Sinto que está na hora de implodir muralhas. Tenho quarenta anos. Não conto viver outros quarenta. E quero abraçar os próximos quinze com intensidade. Sem culpa. Sou curiosa e adepta fervorosa de novos desafios. Apetece-me ousar...

Sunday, February 28, 2010

Ensaio sobre os sentidos

Nestas "núpcias com a natureza", a evasão é realmente possível. Num silêncio, diferente de todos os silêncios escutados nas cidades, ouve-se harmonia.

A Quinta do Chocalhinho fica na aldeia da Bemposta, a dois quilómetros de Odemira. Mesmo no coração do sudoeste alentejano. Apenas a quinze minutos das praias da Zambujeira do Mar e de Vila Nova de Milfontes. Tão perto e tão longe. Aqui, ouve-se o cuco e o chilrear de outros pássaros, o zumbir das abelhas, o quachar das rãs e dos sapos... E, outrora, também se ouviu o chocalhar das ovelhas (por isso o nome Quinta do Chocalhinho). Som perpetuado nos guizos que acompanham as chaves dos hóspedes.
Antes de recuperar a herdade adquirida em 1942 pelo avô, de quem é homónimo, Luís Mendonça Freitas viveu em Macau. Esteve lá cerca de quinze anos. Há três, ele e a mulher, Margarida, decidiram trocar o buliço da metrópole pela candura do campo. Luís está intimamente ligado aeste espaço idílico. "É uma referência afectiva bastante forte. Não há como contornar", justifica. Até aos dez anos, enquanto o avô foi vivo, passou aqui muito tempo na companhia dele. E, apesar de ter feito poiso em dezassete cidades diferentes, este é e sempre foi o Sítio. Certeza que o levou a investir na recuperação da propriedade e transformá-la numa quinta de agroturismo. Manteve-se a área, a traça original, as paredes xisto e a calçada de pedra. O lagar de azeite e a casa dos caseiros deram lugar a dez quartos e duas prazentosas salas de estar, onde se combina mobiliário rústico com peça vindas de Macau.
A herdade, com cerca de setenta hectares, tem uma piscina de água salgada e um campo de ténis. E ainda um reduto encantado de sabores e aromas que oferece aos visitantes uma autêntica viagem dos sentidos: a horta biológica. Com couves, alfaces, cebolas, alecrim, alfazema, coentros, uvas, romãs e maçãs. É também um espaço didáctico, onde é permitido ajudar na rega e cultivo, colher produtos e até, para os mais curiosos, desfrutar de alguns briefings sobre a arte de cuidar a terra e seus frutos.
O largo junto à casa principal, a casa que era a do avô e que hoje é a sua, é o lugar de eleição de Luís. Um extenso largo com vista para a horta deitada aos pés dos montes de sobreiros e oliveiras centenárias. E colinas prenhas de trilhos caminhados e por caminhar até à lagoa, à barragem ou simplesmente sem destino marcado. É para aqui que vem nos seus momentos de contemplação e recolhimento. E encontro com as memórias. Ainda se lembra das desfolhadas entoadas pelas mulheres que apanhavam o milho, dos muitos passeios feitos pela mão do avô, dos agricultores alinhados em fila nos dias de receber os pagamentos. Memórias destas e muitas outras coisas que as palavras não traduzem. E só as emoções alcançam.

Friday, February 26, 2010

“Mi casa es tu casa”

Lugar tranquilo que aquieta os sentidos. Para os desassossegar. Tranquilamente. Ninguém passa por La Comarcal por acaso. “O universo conspira” para que tal aconteça. Só pode...

La Parra, a 60 kms de Badajoz, é um lugar bucólico, com cerca de 1500 habitantes. Com gente serena e atmosfera tranquila. Tesouro guardado por entre pastos e oliveiras, onde a calma espreita no dobrar de cada esquina. Na melodia das aves, nas portas deixadas abertas pelos moradores casa sim, casa não, no vagar dos gestos, nos diálogos murmurados de quem vive um compasso de tempo que não é o nosso.
Foi neste lugar, onde nos chamam pelo nome próprio, que Lúcia Dominguín e Carlos Tristancho edificaram La Comarcal, um surpreendente hotel para viajantes. Casados há mais de vinte anos, os dois - artistas de vocação e carreira - abriram mão da movida de Madrid pela tranquilidade rural de Badajoz. Aqui se apaixonaram pela antiga casa senhorial do secúlo XVI, que já albergou o serviço comarcal de trigo (daí o nome La Comarcal). Há cerca de três anos, investiram três milhões de euros e meteram mãos à obra sem macular a traça original. Das longas discussões criativas e do sentido estético de ambos, surge a harmonia de um espaço de sonho.
Dois mil metros quadrados é a área total de La Comarcal. A fachada, discreta, não deixa advinhar a área que se expande depois de passar o portão de inspiração árabe.
Ao entrar, paredes meias com a recepção, fica a sala de degustação que exibe nas prateleiras preciosas caixinhas de madeira recheadas com sabores da Estremadura, como marmelada de figos, mel de eucalipto, patés, vinhos e azeites diversos.
Sobem-se alguns degraus e temos pequenos recantos de bem estar. É também o acesso a três das seis suites que constituem o hotel. Um pouco mais acima, estende-se a principal sala de refeições, que outrora foi lugar das cavalariças da casa. Os solos de pedra, originais, com desníveis e irregularidades, a que se adaptaram as cadeiras e mesas, marcam a personalidade do espaço. Os lavatórios da casa de banho comum, aproveitados das antigas mangedoras dos animais, são também sui generis. O restaurante dispõe ainda de pequenas salas para refeiçoes mais intimistas, onde não faltam sofás e pufs para os comensais desfrutarem da tão abençoada sesta depois de apreciarem as delicias gastronómicas da região. Pratos típicos confeccionados e servidos por donas de casa locais ( e não cozinheiras) que apresentam receitas recuperadas das mães e avós. A sopa de picadilho, a carrilhada de porco ibérico ou a simples sobremesa de morangos com sumo de laranja são algumas das iguarias que se podem desfrutar. Aqui o pretensiosismo não tem lugar à mesa.
Um pouco mais acima, fica a cozinha, a sala do pequeno almoço e as restantes suites. As encantadoras suites. Todas elas amplas, coloridas e com o intimismo das casas de campo. Cada uma com sua singularidade. A descomunal e surpreendente banheira de banho munida de dois chuveiros dourados. A cama de sonho com colchões especiais de penas de ganso, feita para o descanso e o deleite. O casamento entre os móveis recuperados das casas locais e outros desenhados de propósito. Cada um com sua singularidade.
Finalmente, o último lance de escadas. O que dá para o terraço com vista sobre a planície. Dali se vislumbra um pôr do sol único na quieta paisagem de La Parra.

Friday, January 22, 2010

Teim ma nã teim

Por ocasião de uma breve estada no Alentejo, uma amiga minha viu-se confrontada com a proposta sui generis de venda de uma casa. A abordagem partiu de um idoso que frequentava o café onde costumava tomar a bica matinal: “Menina, ténhe uma casa pa vendere mais aléem. Tá todaa arranjadinha, tem dois quatros, sala, casa de bénho e quintal. Quer dizere, o quintal teim ma nã teim…
Convidada uma, duas, três vezes a visitar o imóvel – e apesar de saber de antemão que não estava interessada – Maria aceitou lá ir. Até porque não cabia em si de curiosidade de conhecer o quintal “teim ma nã teim”. Quando lá chegou – e depois visitar quartos e sala – indagou pelo quintal. Ao que o proprietário se prontificou a mostrar, abrindo a porta da cozinha. Maria não conseguiu disfarçar a exclamação: “Este é que é o quintal?!” O dito tinha pouco mais do que um metro. Mesmo à frente, erguia-se um enorme rochedo. “Pois! Como já tinha dito à m’nina: teim ma nã teim. Se mandar a rocha abaixo teim, se nã mandar e deixar ficare como tá nã teim…”

Wednesday, January 13, 2010

Que dor de cabeça, minina

Segue-se o relato exaustivo da conversa telefónica que escutei inadvertidamente durante a viagem de metro Oriente/Alameda. De registar que o discurso foi proferido em grande algazarra. Uma distracção para a minha leitura matinal. Irritante.
“Minina, já deixei de ser isquisita. Sabe, tenho 28 anos e não quero ficar sozinha. Desde que ele tenha dentes na boca (gargalhada estridente)… Há uns anos, ainda via se tinha barriga ou uma perna mais comprida que outra. Agora não. Enfim (gargalhada ainda mais estridente)… Mas sabes, já deixei de escolher gajos na noite. Na discoteca, sabes com’é: eles são uns gatos e elas umas deusas. Mas depois, à luz do dia, são um desastre aéreo (gargalhada histriónica). Nem pensar... Sabes o gerente daquela discoteca angolana, que já morreu? Uma vez, ele me disse: “tu és linda mesmo de dia”. Tinha ficado lá até de manhã. Ele disse logo: “à luz do dia é que se vê se as pessoas são lindas ou não.” E é verdade, minina. Já a Maria… Uma vez fui a casa dela e perguntei por ela à irmã. Acreditas que ela estava sentada no sofá e eu não a reconheci? À noite, monta-se toda e parece uma princesa. Mas de cara lavada não vale nada. É feia como um camião. Sim, é essa mesmo. O que é que tem? Afugentou o gajo, como assim? (pausa muito breve) Quero lá saber, eu também estou no metro, minina. Que é que tem? Eu quero é que todo o mundo se exploda! (pela parte que me toca, tive vontade de lhe meter a mão à cara. Juro que tive. Não satisfeita com a poluição sonora, esta agora também quer que eu exploda! Evoquei as máximas do reiki para não reagir.). Continuando… “Me conta o que aconteceu com ela. Então? Ok, não queres falar, não fales. Tu é que sabes… Vou agora p’ó trabalho e à tarde tenho aula de matemática. Destesto matemática, irra. O meu irmão é que tá bem. Ele é formado em matemática e ganha três mil dólares por mês. Sim, sim, o que tá em Angola. Em dezembro, comprou um jipão, minina. Vermelho. Mesmo lindo...”
Chegámos finalmente à Alameda. Como eu, a rapariga da converseta saíu lá. Sempre agarrada ao telemóvel. Como se fosse uma extensão da cabeça. Antes que ela se colasse a mim de novo, alarguei o passo. Não fosse levar com a monstra da verborreia até à Baixa Chiado. Ufa, que dor de cabeça.