Saturday, March 10, 2012

Ela chega com o postal numa das mãos e uma túlipa amarela na outra. Adora túlipas. Adora-as amarelas. Uma flor tem sempre um lugar cativo à espera. Tenha a cor que tiver. É a primeira vez  que janta em casa dele. É a primeira refeição confecionada por ele. É a primeira noite que dormem juntos. As emoções estão naturalmente ao rubro.
Ainda à porta, chega-lhe um cheiro quente e doce. Não tarda a confirmar que vem das batatas doces acabadas de assar. Respira fundo. Antes de tocar à campaínha, ensaia expressões de descontração para o espelho da fachada. Respira fundo de novo e toca. Ele vem de copo na mão. Sofisticado. De preto da camisa aos sapatos. E de avental amarelo. Da mesma cor da túlipa que ela traz. A coincidência fá-los soltar uma gargalhada. Oportuna para o momento.
Miguel convida-a a entrar. Serve-a de vinho e brindam à noite e ao amor. De olhos bem postos um no outro. Com todas as certezas do mundo. Que só os corações apaixonados têm.
Maria do Mar entrega-lhe a flor e o postal. Ele lê em mode repeat enquanto se dirige para a cozinha. Nunca uma frase tivera nele efeito tão avassalador. Ela segue-o em silêncio, de copo na mão. Ruborizada. Ele beija-a. Sem conseguir dizer todo o amor que sentia mais o amor que agora sente. As palavras não se encontram umas às outras. Beija-a de novo. Grato. Embevecido. Emocionado.
Recuperado da surpresa, retoma a confecção dos legumes salteados com bolbo de funcho. Outro aroma doce a juntar-se ao ácido das lapas grelhadas com manteiga de alho e sumo de limão. Enquanto degustam a entrada, Miguel corre à cozinha a ultimar a iguaria principal. São bifes de atum e querem-se mal passados. Um verdadeiro festim para os sentidos. O cheiro, a apresentação dos pratos, o paladar, a escolha musical, a luz, a mesa posta, o calor desta paixão que arde e se vê. 

Sunday, March 04, 2012



Alguns beijos depois é dia dos namorados. O primeiro dos dois. Com a paixão em carne viva, nem um nem outro resiste ao clichet da data. Logo pela manhã, Maria do Mar recebe um ramo de rosas vermelhas. São catorze. Uma por cada dia juntos. Como explica o poema que as acompanha por entre corações estilizados. Ou não fosse o Miguel artista plástico. Ela derrete. Lê e relê com o sorriso pateta de quem rebenta pelas costuras de tanta paixão.
Corre a comparar o postal que tem para ele, insegura. “És o Sol do meu quintal.” Dedicara-lhe esta frase. Fazia todo o sentido quando a escreveu. Agora acha-a ridícula. A paixão inebria e torna poetas os amantes. Ainda que por breves momentos. O que lhe parecera harmonioso, parece-lhe agora um atentado. A constatação fá-la balançar. Talvez outro postal com outra frase… Um simples “amo-te” é uma possibilidade. Pode não ser tão poético mas é mais seguro. A lucidez é tramada. Vem sempre de braço dado com o medo do ridículo. E este foge da ousadia como o diabo da cruz.
O que é feito da impertinência da xavelha de Câmara de Lobos? A recear a frase por parecer escassa de poesia? Ou cheia de amor? Após intensa dialética, Maria do Mar decide. “És o Sol do meu quintal.” é definitivamente a declaração. Sem tirar nem pôr.