Friday, January 27, 2012


E porque a paixão é aquela coisa que não se explica por mais que se tente explicar, tudo aconteceu assim sem como nem porquê. De repente - não mais que de repente, como diz o poeta - Maria do Mar voltou a sentir o coração a bater mais forte. Não é que o rapaz do restaurante vem sacudi-la da apatia sentimental em que estava? Tudo porque os olhos dele e os olhos dela se encontram por um acaso do destino! E se há motivos que nos fazem duvidar das razões do Universo, outros há, como o amor, que nos levam a crer que tudo faz sentido e nada acontece por acaso.
Antes de sair do restaurante, Miguel deixa o número de telemóvel num outro guardanapo. Desta vez, sem intermediário, entrega-o à menina dos olhos da cor do céu e do mar. Não sabe nada sobre ela. Mas sabe que o pirlimpimpim da química está a fazer das suas. Por ora basta-lhe. A contar deste momento, aguarda cada minuto com a paciência possível. Quase nenhuma. Novecentos minutos depois, o telefone toca. Ele, pela arritmia que o assola,  sabe que do outro lado é ela. De voz suave, quase infantil. “Olá, Miguel. Eu sou a Maria do  Mar… (e o silêncio de quem não sabe o que dizer sem soar ridícula).”
“Olá, Maria do Mar. Ainda bem que ligaste! Estou à espera há quinze horas… (e o silêncio de quem não sabe o que dizer sem soar ridículo).” Com hiatos de parte a parte, a conversa segue, periclitante, até o agendar do primeiro encontro. Amanhã às dezanove horas, em terreno neutro. O aeroporto. Ela decide. Ele concorda sem questionar. 

Friday, January 20, 2012

Já não era sem tempo… Maria do Mar está de novo apaixonada. “Desta vez é que é!”, esta a convicção da nossa menina. É, aliás, a convicção de quem se apaixona de novo. Ela resiste mas quando o amor acontece, acontece e ponto. Ponto não. Vírgulas, reticências, pontos de interrogação, exclamação, pontos e vírgulas mas nada de ponto. Quando o amor acontece, não há como ignorá-lo. A via é mergulhar de cabeça. Ou fugir a sete pés. Não é o caso. A xavelha de Câmara de Lobos é das que não têm medo. Não identifica os sinais na primeira abordagem. Escudada dos assuntos do coração desde Kadhafi, não vê o óbvio aos olhos de quem está de fora. 
Tudo começa em noite de saída. Jantar e copos com duas colegas para assinalar a entrada no curso de Biologia Marinha da Universidade da Madeira. Quem diria? Há cinco anos, o cenário era bastante remoto. Para não dizer impossível. Mas "quando há uma vontade, há um caminho", traduzindo à letra "where there's a will, there's a way".
Voltando ao assunto, no restaurante as três caloiras festejam e projectam as novas aventuras académicas quando Maria do Mar pressente alguém a fixá-la. Curiosa, leva o olhar ao encontro dos olhos que a espreitam. Para ela, é pouco mais do que uns olhos bonitos a olharem os seus. Também bonitos por sinal. Para ele, é muito mais do que isso. É a certeza de que nenhum deles está ali por acaso. Nunca a tinha visto. O amigo dele também não. A situação requer ousadia. Tudo menos o risco de a perder de vista. Esquecendo por um instante que é tímido, escreve no guardanapo “Acho que estou apaixonado... Miguel”. O empregado aceita fazer de mensageiro. Surpreendida, Maria do Mar volta a olhar na direcção dos olhos que a vêem. Desta vez, o brilho é igual nos dois sentidos.

Thursday, January 12, 2012

24 de Dezembro. Falta pouco para a meia noite. Em casa de Maria do Mar reina a boa disposição. A criançada, excitada, não vê a hora de rasgar o papel dos embrulhos. É grande a algazarra. Afinal nem todos os dias são dias de festa. Os mais velhos deliciam-se com as broas e os bolos de mel amassados há duas semanas por Maria do Amparo. Acompanham com licor de tangerina, anis ou tintantum. Uma trinca daqui, um golinho dali, uma brincadeira dacolá e os ponteiros do relógio assinalam a hora aguardada. 25 de Dezembro. A pequenada abre “caça” ao Pai Natal que, entretanto, “está já de visita a outra casa”. Com a pressa, “para que nenhum menino fique sem prenda neste dia”, deixou cair o sapato. Por acaso, até é parecido com o do pai garanhão. Mas neste momento os miúdos não querem saber e correm para os próprios sapatos. Estão junto ao fogão (à falta de lareira). É lá que cada um encontra o brinquedo que tanto deseja. Com a euforia e o açúcar dos chocolates e refrigerantes, a adrenalina dispara-lhes. Tão cedo não conseguem dormir. Mais vale deixá-los curtir as prendas até que se rendam ao cansaço. Os primeiros a quebrar são os adultos. À excepção de Maria do Mar que aproveita uns ensonados e outros distraídos para se pôr bonita. Ainda mais bonita. É que lá fora tem à espera alguém muito especial. 

Thursday, January 05, 2012


A poucos dias das festas de Natal, o mar põe-se assanhado e a construção abranda a marcha. Com as duas fontes de rendimento comprometidas, o garanhão anda assustado. A insónia é já a principal companheira dele. Passa as noites em branco a tentar trocar as voltas à crise. Que chega com descaramento de puta. São muitas as bocas à sua mercê. E ser pobre não é desculpa. É fundamental ser criativo. Neste caso, ao invés de escrever poesia ou esculpir obras de arte, é preciso criar novas oportunidades.
Logo de manhã, foi saber do trabalho da câmara municipal mas o resultado só sai na próxima semana. Candidatou-se à vaga para a recolha de lixo. É uma ocupação estável, sem os reveses da pesca e das obras. O passo está dado. Resta aguardar que as preces a S. Pedro sejam atendidas. E não cruzar os braços entretanto. Ele sabe melhor do que ninguém que sem esforço não há sorte que o valha. No caminho, passa pela praça a espalhar que está mais disponível. E, pelo sim pelo não, entra na tasca do Chico para apostar umas patacas no jogo do bicho. Há que atacar em todas as frentes…
A semana foi lenta de custosa que foi. Mas já passou. O dia desperta com céu azul. Apesar de frio. Só por isso a boa disposição é um dado adquirido. Apesar do nervosismo. Hoje é dia de saber quem é o novo auxiliar de limpeza urbana. Joaquim não pregou olho a noite toda e vai na terceira bica. O que não ajuda nada. Ansiedade mais cafeína é ansiedade ao quadrado. Seja como fôr, o resultado está a ser afixado e já não há nada a fazer. À espera do lugar estão seis homens. Uns mais contidos do que outros.  Mas todos bastante necessitados. Finalmente, a funcionária administrativa lê em voz alta o nome do contemplado: Joaquim Manuel Freitas da Silva. O garanhão deixa escapar duas lágrimas gordas. De alívio. Felicidade. Gratidão.