Tuesday, September 23, 2008


Os três estarolas

Entrámos na mesma estação. Eu, com destino à Alameda. Eles, não sei ao certo. Vão à procura de alimento ou, quase advinho, de susbstituto para o vício. São três toxicodependentes. Companheiros na dura jornada. Parecem clones, tantas as características que os aproximam. Sub-nutridos, desdentados, rudes, mal trajados.
Estão agitados. Um deles mostra-se bastante arreliado. Não tardo a perceber porquê. Uma vez sentados, a conversa prossegue a alta voz:
- A sério, pá. Nunca mais lá ponho os pés. Ou então, p’à próxima vou directamente à defesa do consumidor. Foi a terceira vez qu’esta porra m’aconteceu. Da primeira desconfiei mas não tinha bem a certeza. À segunda, topei logo o esquema. Então agora é que vi mesmo o parvalhão pôr o pastel de nata no micro-ondas. O gajo não percebe qu’isto pode lixar o estômago dum gajo...
- Pois é, páaa... Já há dias comigo foi a mesma treta. O gajo vendeu-me um mil-folhas com dois ou três dias. Aquela porcaria até custava a passar a goela. Juro páaa, até ficava agarrado. Gaaanda filho da mãe.
- Opá, nestas coisas o melhor é um gajo deixar de lá ir. Poça, com tantos sítios p’ra comprar bolos... Eles que se lixem. Caga neles, pá.
- Caga neles, não. Fazem a mim, fazem a outro. Os gajos não prestam, pá. Já viste isto? Aquela porcaria faz mal. Ainda ficamos todos arruinados. E porquê? Porque os sacanas são uns sovinas. Não é à toa que eu tenho dores de barriga, pá. Eles querem é vender. Tão-se a lixar p’ó gajo. Entendes? Da próxima vez nem digo nada: pego na porcaria do bolo e vou logo p’à Deco. Isto não fica assim. Juro que não...
- Fazes bem, bacano. Tem de ser. Senão os gajos abusam dum gajo, páa. Bora sair...
- Bora lá, pá...
Partem da forma que chegaram. Agitados. Cúmplices. E, quero acreditar, esperançosos. Tal e qual os três estarolas dos desenhos animados. Apenas mais reais. Mais perdidos. Mais tristes.




Monday, September 15, 2008

Mimeticamente tristes ou tristemente miméticos

Nos filmes de ficção científica é comum o extra-terrestre incorporar a vítima, assumindo o seu aspecto. A ideia é ludibriar as próximas vítimas...
As pessoas de fraca personalidade ou baixo índice de auto-estima tendem a fazer o mesmo. Ou algo parecido. Assumem gradualmente o esterótipo da sua “musa”. Em pouco tempo de convivência passam a falar, vestir e estar como a pessoa que admiram. Ou de quem têm inveja (que é uma espécie de admiração não assumida).
Há até os que vão ao pormenor de “vestir” os tiques e trejeitos mais singulares, chegando a embrenhar-se de tal forma na transferência de personalidade que se esquecem da noção de ridículo. A identificação é, por vezes, tão abrangente que há quem se convença ser mais autêntico do que o original. Pior ainda é quando estas carapaças de ocasião usurpam a alma da sua figura de referência.