Thursday, November 25, 2010

Não me sinto habilitada a fazer o luto pela avó Ainim. Francisca de sua graça. Não sei quando ou por que razão surgiu o petit nom. Sei é que todos os que lhe eram queridos a tratavam assim.

Não me sinto habilitada a fazer o luto pela avó Ainim. Recusei-me fazê-lo então. Não me parece que o faça alguma vez. Por ela continuo a ter um amor tão grande, tão grande, que não cabe neste texto. Não caberia num livro. Nem mesmo numa mega produção galardoada.

A minha avó morreu cheia de vida. O paradoxo talvez explique a renitência em aceitar que me deixou. Eu tinha quinze anos e estava tudo menos preparada para perdê-la. Fiquei desesperada. Quando a vi de boca puxada ao lado pela maldita trombose fugi. Em vez de abraçá-la, fugi. Fechei-me na casa de banho. Histérica. Ufa, a dor ainda me atravessa o peito. Por vezes sara. Por vezes sangra. Mas a psicanálise deixo para depois. Para as instâncias próprias.

Não perdi completamente a avó Ainim. Tenho-a de forma diferente. Divido com ela os momentos bons. Os maus também. Até os assim-assim. Continua tão presente na minha existência, que quase lhe sinto o Anaiis da Cacherel.

E tão ausente, que me fazem falta tantas coisas banais. Os bracinhos flácidos e macios que eu apalpava vezes sem conta em jeito de mimo. O sumo de laranja que nas manhãs de inverno me levava à cama com uma “pontinha” de açúcar e muitas palavras doces. As repreensões pouco veementes que eu só reconhecia porque ao invés de Gracinha me chamava de Graça Maria. As cantorias que improvisava sempre que se embrenhava nas lides domésticas. As idas à missa seguidas de almoço fora onde me deixavam escolher bife, batatas fritas e sumol de ananás. A cumplicidade feita de muitos serões no sofá a ler-lhe as legendas do Dallas. As frases tão dela como “a menina não tem querer” ou “isto não é brincos para a menina”.

Não estou habilitada a fazer o luto da avó Ainim. Nem quero já. Gostava apenas que doesse menos a falta que ela faz.

3 comments:

Unknown said...

Minha Graça

Todos nos temos esse vazio no peito, este texto confesso fez-me emocionar, provocou em mim saudades das minhas avos a avo Carolina e a avo Maria, sabes, confesso que a minha avo Maria sempre foi a minha eleita, aquela que mesmo não me oferecendo presentes porque na verdade não o podia fazer ( e todos sabemos que os presentes fazem-nos enquanto crianças prestar mais atenção a uns familiares que a outros...) sempre foi aquela avo que eu fugia para estar, so por estar sem interesses aliados, adormecia encostado a ela na sua cama, enquanto a mesma me contava historias do anjo da guarda e parecia ter todo o tempo do Mundo para as minhas mil duvidas, todo o tempo do Mundo para me dar o seu colo...Saudades tantas, Beijos minhas Graça

Anonymous said...

Graça como te entendo e confesso que foi com a lágrima que li este texto... porque é assim.... há vazios que nunca se preenchem, coisas que não voltam a ser... sentires.... e a dor essa amaina como o tempo... mas a tempestade está sempre á espreita. E é o acreditar que é um até já onde vamos buscar as forças que nos puxam para cima e nos fazem olhar para cima... onde moram as estrelas que nos iluminam o caminho.

um beijo grande da vizinha da frente

Anonymous said...

Maninha, desculpa dizer isto, está tão lindo, verdadeiro e realista...que não o devias ter escrito......quero a avó de volta, merda fizeste-me chorar.