Wednesday, June 28, 2006


Este país não é para velhos

O meu espaço de sossego em dia de tpm é interrompido pelo “desbafo” (como diz uma amiga from London) da senhora que acaba de sentar-se à minha frente no metro.
- “… Este país não é para velhos, menina. Desculpe, não sei se é menina se é senhora. Como não usa aliança presumo que seja menina. Antigamente era mais fácil perceber. Agora está tudo misturado, meninas e senhoras.”
- “Sou menina.”, confirmo a sorrir. A minha mãe costuma dizer que hei-de ser velhinha sem querer ser senhora.
- “A vida tá cada vez pior... Uma desgraça. Esta coisa do euro veio estragar tudo... Imagine que agora, fazendo as contas, um molho de grelos custa quatrocentos e tal escudos! Antes, com esse dinheiro eu ia à mercearia e trazia dois ou três sacos de compras.
Sabe menina, tenho esta idade, sou doente e ainda preciso de trabalhar. Trabalho a dias em duas casas para poder comer e pagar os remédios. A minha reforma não dá p’ra nada. Este país não é para velhos, menina. Uma miséria, é o que é. Não sei onde é que isto vai parar. Do jeito que as coisas tão...”
O queixume continua caminho fora até que a interlocutora dá conta do meu silêncio.
- Tou p’ra aqui a falar, a falar e a menina nada. O que está a pensar?
-“Tanta coisa…”, respondo evasiva, tentando esboçar novo sorriso.  Tanta coisa, para não responder “Não é da sua conta.” Ou “Desculpe mas hoje estou com pouca paciência para conversas sobre a crise. Além disso, a sua ladaínha não me deixa ler o livro que trago aberto na mesma página há quinze minutos.”
Ainda bem que filtrei o mau feitio. Passada a tpm,  a abordagem da senhora ganha outra importância e converte-se no assunto desta crónica. Afinal, acredito que este país é também para velhos. No mínimo, vamos escutar o que têm a dizer.

2 comments:

Anonymous said...

de facto o racismo já não é cultural. Não se admite que num pais que emigrou desde sempre não aceite a imigração, daqueles que ainda por cima são portugueses, apenas têm a pele mais escura.

Anonymous said...

HILARIANTE!!!
Só tenho pena, que neste caso, a ficção se confunda tanto com a realidade..
Mas que texto cheio de ritmo!