Sunday, October 30, 2011


      Maria do Amparo em tempos foi bonita. Agora é apenas uma mulher envelhecida antes da hora. Tem quarenta e dois anos e o regaço cheio de sonhos que ficaram para trás. Um deles era emigrar. Como fez o irmão que partiu há vinte anos para a Suiça e hoje vive bem. Bem bem não será. Mas bastante melhor do que ela. Esposa, mãe, dona de casa. É o que é. Ponto. Quase se esquece de ser mulher no que a condição tem beleza e sensualidade. Universo pequeno numa vida de pequena importância. Pequena de quase todos os ângulos. Embora descomunal para o homem que ama há tanto tempo que já não sabe quanto. Descomunal para a catrafada de filhos que pariu e cuida da forma que aprendeu.
       Filha de agricultores, Maria do Amparo tem a quarta classe antiga e alguma ambição. Teve-a mais quando era gaiata. Mas vem a esmorecer a cada ano que passa, a cada filho que nasce, a cada conta que chega. Porque a vida nem sempre se compadece dos sonhos de quem os tem. Ainda assim, embala a esperança de ganhar o euromilhões. Quase todas as semanas esgravata os bolsos do marido à procura de trocos para registar o boletim. “Quem sabe não é desta? E sempre é menos um copo ou dois que toma…”, aquieta-se do pequeno furto. A chave é a data dos aniversários dos filhos. Cresce à medida que um deles nasce. Este é o seu segredo. Guardado há anos numa espécie de religião. Como quem vai à missa aos domingos

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