Monday, November 14, 2011

      Hoje é sábado, dia de limpar a casa na casa da família “garanhão”. Todos os dias se limpa mas ao sábado limpa-se mais. À excepção das crianças, os que estão em casa ajudam na empreitada. Maria do Mar tem por sua conta o quarto que divide com os irmãos mais velhos. Conceição trata do quarto dos mais novos.  Rui está incumbido da sala e do corredor. Eugénia limpa a cozinha. Teresa, a casa de banho. Emanuel varre o quintal e lava-o de mangueira, depois de regar as plantas. A mãe orienta as crianças e prepara o almoço. As limpezas fazem-se quase sempre ao som da rádio. Hoje Maria do Amparo acordou triste, melancólica e com vontade de ouvir Amália. Mesmo a contra gosto dos filhos põe o disco de vinil a tocar e esganiça por cima da voz da fadista. “Foi por vontade de Deus que eu vivo nesta ansiedade, que todos os ais são meus…” Canta para espantar a mágoa que sente. A noite de ontem foi feia à custa de uma troca de palavras feias com o marido. A paciência esgota-se-lhe. É bom homem mas o hábito maldito da bebida quase deita tudo a perder. “Que raio de vício que só serve p’a m’azucrinar a cabeça…”, desabafa entre dentes, quando se perde da letra do fado, ainda a matutar nas ofensas trocadas. Palavras rematadas com violência, apesar de não sentidas. Palavras que puxam palavras num  braço de ferro absurdo. A páginas tantas, a ver quem magoa mais. Ele, por trazer vinho martelado no bucho e estupidez na cabeça. Ela, por trazer amargura no coração de o ver chegar assim a casa. Ainda que seja uma vez por outra.

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